Trenzar. Revista de Educación Popular, Pedagogía Crítica e Investigación Militante
Nº9, Año 5, enero – junio 2023: 34-54
Red Trenzar: Santiago de Chile
ISSN (online) 2452-4301

ARTÍCULOS DE INVESTIGACIÓN


Eles são educados quando passam à ação”: Rosa Luxemburgo e as ocupações secundaristas

“Son educados cuando actúan”: Rosa Luxemburgo y las ocupaciones de los estudiantes de secundaria[1]

 

Ana Maria Stabelini[2]

 

Recibido: 29 de septiembre de 2022 / Aceptado: 30 de diciembre de 2022

 

Resumo:

Para estabelecer algumas aproximações entre a obra de Rosa Luxemburgo e as problematizações do campo da Educação, buscou-se discutir, neste artigo, os conceitos de democracia e autogestão. Destaca-se a importância de tecer considerações sobre a educação política como prática democrática no espaço escolar. Consideramos que os conselhos auto gestionários, tal como concebidos por Rosa Luxemburgo, constituídos como espaços de realização de autonomia e liberdade, visariam à formação de uma consciência pública, fundada na ação política. A autogestão como formação política foi experimentada pelo movimento dos jovens secundaristas em 2015, que protagonizou uma experiência de pertencimento ao espaço público. Organizando-se de forma democrática e horizontal obtiveram sucesso quanto à comunicação e aos objetivos de sua luta.

Palavras-chave: Rosa Luxemburgo, ocupações estudantis, filosofia da práxis, movimento secundarista, educação política.

Resumen

Con el objetivo de establecer algunas similitudes entre la obra de Rosa Luxemburgo y las problematizaciones en el campo de la educación, se pretende discutir, en este artículo, los conceptos de democracia y autogestión. Destacamos la importancia de hacer consideraciones sobre la educación política como práctica democrática en el espacio escolar. Consideramos que los consejos autogestionarios, tal como los concibe Rosa Luxemburgo, constituidos como espacios para la realización de la autonomía y la libertad, tendrían como objetivo la formación de una conciencia pública, basada en la acción política. La autogestión como formación política fue experimentada por el movimiento de estudiantes de secundaria en el 2015, lo que propició una experiencia de pertenencia al espacio público. Al organizarse democrática y horizontalmente, tuvieron éxito en términos de comunicación y los objetivos de su lucha.

Palabras clave: Rosa Luxemburgo, ocupaciones estudiantiles, Filosofía de la praxis; movimiento de estudiantes de secundaria; educación política.

 

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Introdução

Em suma, a democracia é indispensável, não porque torna supérflua a conquista

do poder político pelo proletariado, mas, ao contrário, por tornar essa perspectiva,

necessária tanto como a única possível (Luxemburgo, 1975, p. 67).

 

O presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa que originou a tese intitulada “O mundo público e a autogestão em Rosa Luxemburgo: uma análise do movimento das ocupações das escolas do estado de São Paulo em 2015”. O intuito da pesquisa foi contribuir com o desenvolvimento de estudos ligados à concepção de autogestão e sua articulação com as concepções de conselhos, espaço público, educação política em articulação com movimento das ocupações das escolas do Estado de São Paulo em 2015.

Para o desenvolvimento da pesquisa, alguns aspectos apresentam-se como fundamentais: a noção de educação com base na ação política e a possibilidade de autonomia e autogestão escolar. O estudo abordou alguns temas relevantes à área da educação, quais sejam: o processo de democratização das escolas públicas, a gestão democrática da educação e a formação de conselhos escolares participativos. Para tanto, consideraremos a escola não apenas como uma organização instituída pelo Estado, mas como uma organização social, com características intrínsecas aos grupos sociais que a compõem[3]. A compreensão do problema proposto se fundamentou nas concepções de liberdade política, socialismo democrático, autonomia e autogestão, na crítica à burocracia e na formação de órgãos participativos na obra de Rosa Luxemburgo.

Rosa Luxemburgo viveu em um período de suma importância para o movimento socialista e teve o importante papel de discutir em profundidade os objetivos dos programas do partido social democrata alemão e russo, além de abordar a questão polonesa[4] e a política interna e externa de diversos países ao problematizar o imperialismo. Luxemburgo posiciona-se, dessa forma, com uma visão crítica de grandes nomes da esquerda no contexto que conta, entre outros elementos, com a segunda internacional, travando batalha discursiva com Vladimir Ilyich Ulyanov (Lenin), Eduard Bernstein, Karl Kautsky, além de diversas críticas aos anarquistas e pontualmente a Mikhail Bakunin. Figura, portanto, em uma posição central em sua época, papel bem pouco reconhecido pela esquerda de forma geral até os dias de hoje. Entretanto, é sempre interessante lembrar que ela encontrou um eco de suas ideias durante a Revolução Espanhola (1936-1937).

Para o desenvolvimento da temática, o artigo apresenta, inicialmente, uma discussão sobre o conceito de autogestão e seu papel na obra de Rosa Luxemburgo, com base nas concepções de democracia, conselhos e nas possibilidades abertas pelas compreensões de Luxemburgo para uma perspectiva democratizante da educação, além de contemplar a filosofia da práxis, por meio das categorias de autogoverno e ação política e suas articulações e mediações em sua obra.

Em seguida, buscou-se destacar o protagonismo dos jovens secundaristas durante as ocupações das escolas em 2015 e as análises sobre o movimento dos secundaristas em São Paulo. Por fim, apresentam-se as considerações finais sobre os conselhos participativos e as possibilidades de contribuição para a elevação da consciência política e participativa em uma conjuntura em que das políticas neoliberais se aprofundam.

Rosa Luxemburgo, autogestão e filosofia da práxis

Na obra de Rosa Luxemburgo, a concepção de democracia adquire um sentido particular, diferenciando-se da democracia liberal e se aproximando das perspectivas de autogestão, por ser este um elemento possibilita pensar o socialismo como um sistema que, ao mesmo tempo, elimine a sociedade de classes e a exploração burguesa (Rotolo, 2006). Para ela, se o poder político for realizado via parlamento, mesmo que por um partido socialista, haveria a reprodução das relações de poder e pouca participação popular. Rosa Luxemburgo entendia a revolução como um processo de construção de uma forma completamente nova de se relacionar com o mundo público, por esse motivo não poderiam existir modelos prévios.

Em Reforma social ou revolução (2011c), texto em que Rosa Luxemburgo debate e se contrapõe teoricamente as teses revisionistas de Edward Bernstein[5]. Logo de início, no prefácio, ela argumenta que a social democracia não pode se contrapor à reforma ou à revolução, mas tampouco de se tornar reformista, pois em sua visão na social democracia há um elo inexorável entre reforma social e revolução social, sendo que a reforma social é apenas um meio e a transformação social é o fim. Ocorre que as teses reformistas de Bernstein descaracterizam a revolução social ao tomar as reformas sociais a finalidade, e dessa forma, fazendo dos meios o próprio fim é que o objetivo final da social democracia é esquecido (Luxemburgo, 2011c).

Rosa Luxemburgo argumenta também que essa tese revisionista não se alinha com os objetivos práticos da social democracia, mas sim está atrelada ao desenvolvimento objetivo da sociedade capitalista. Seu argumento principal não versa sobre a rapidez do desenvolvimento capitalista, mas sim sobre a marcha de desenvolvimento capitalista, da sociedade capitalista e, em articulação com isso, a própria passagem à ordem socialista (Luxemburgo, 1899).

Segundo Haug (2016), as concepções de Luxemburgo teriam o seguinte ponto essencial:

Os trabalhadores devem se apossar do governo. Esta é finalidade para a qual tendem seus conceitos e proposições, que supõe a democracia socialista e sua maneira de considerar a greve, a revolução e cultura. Trata-se de emancipar os menos favorecidos para participação na formação da sociedade. Isto demanda escolas, educação, e, mais importante, requer aprender por meio da prática, uma experiência de transformação social sob o próprio sistema capitalista (Haug, 2016, p. 9).

Portanto, não se deve interpretar a concepção política de Luxemburgo, encontrada em seus escritos, como uma receita para uma política sindical ou para a autogestão das fábricas. Seus escritos mostram, acima de tudo, que a separação entre o mundo político e o mundo do trabalho é artificial.

Trata-se de um processo de autonomização, que não se encontra em apenas um aspecto ou um só domínio, porque toda a vida do trabalhador é assujeitada ao capitalismo. Todos os domínios da vida estão entrelaçados e por isso é necessário interconectar as lutas que devem se desenvolver não apenas no sindicato e no Parlamento, também nas ruas, na mídia, nas escolas (Haug, 2016).

Segundo Weill (2016), seria em A questão nacional e a autonomia (1988) que Luxemburgo teria iniciado um novo tipo de reflexão sobre as perspectivas do processo de democratização, afirmando repetidamente que a tarefa da Social Democracia alemã deveria ser a retomada do processo de democratização abandonado pela burguesia. Mais tarde, durante a Revolução Alemã de 1918, ela apresenta essa noção de democracia que assume contornos de uma democracia direta ou “participativa” em O que quer a liga Spartakus? (2004).

Rosa Luxemburgo já discordava da visão de progresso da democracia em um momento anterior a primeira guerra mundial. Tal concepção foi abordada no debate com Bernstein, em que ela identifica como o pressuposto político mais importante da teoria de Bernstein o desenvolvimento progressivo da democracia, pois para ele as ondas reacionárias no decorrer da história são passageiras.

[…] o movimento operário socialista é e pode ser o único suporte da democracia; não que os destinos do movimento socialista estão ligados aos da democracia burguesa, mas inversamente os destinos do desenvolvimento democrático estejam ligados ao movimento socialista; que a democracia não se torna capaz de viver na medida em que a classe operária abandona sua luta emancipatória, mas na medida em que o movimento socialista se torna suficientemente forte para combater as consequências revolucionárias da política mundial e da deserção burguesas […] (Luxemburgo, 2011c, p. 66).

Löwy (2015) estabelece uma relação entre a filosofia da práxis em Marx e em Rosa Luxemburgo e a sua utilização no campo da educação. Nesse sentido, afirma que, em “A ideologia alemã”, Karl Marx formula uma nova teoria: a filosofia da práxis – que supera tanto a noção de que são as circunstâncias que devem mudar para promoção da transformação do ser humano, própria dos materialistas franceses, como a noção de que primeiro se transforma o ser humano para depois transformar a sociedade, própria dos idealistas alemães. E afirma, ainda, que a mudança das circunstâncias, da atividade do ser humano ou a mudança de si mesmo, apenas pode ser compreendida enquanto prática revolucionária. […]na prática revolucionária, na ação coletiva emancipadora, o sujeito histórico – as classes oprimidas – transforma ao mesmo tempo as circunstâncias materiais e sua própria consciência (Löwy, 2015, p. 1).

Nesse sentido, a autoemancipação revolucionária é realizada por meio da ação política. Há momentos em que o determinismo aparece na obra de Marx com mais ênfase, mas o princípio de autoemancipação dos trabalhadores continuou a inspirar Marx. Em “Cadernos do cárcere”, Gramsci utilizaria, pela primeira vez, a expressão “filosofia da práxis” para referir-se ao marxismo que se distancia de leituras positivistas ou evolucionistas do materialismo histórico, mas essa é uma noção que também já se encontrava presente na obra de Rosa Luxemburgo.

Rosa Luxemburgo é uma teórica marxista que se aproxima como poucos da filosofia da práxis. E, por mais que ela não tenha elaborado textos filosóficos, nem teorias sistemáticas “[…]ainda assim, a filosofia da práxis, que ela interpreta de maneira original e criativa, é o fio condutor – no sentido elétrico da palavra – de sua obra e de sua ação como revolucionária” (Löwy, 2015, p. 2).

Não há na obra de Luxemburgo um pensamento estático, pois trata-se de uma reflexão que contém transformações conceituais, fruto de sua experiência. Em Reforma social ou revolução? (2011c), a perspectiva determinista histórica é presente. Entretanto, há uma pertinente discussão acerca da pedagogia revolucionária da ação. Já em 1904, no debate polêmico com Lenin, essa questão é um dos principais elementos:

A autoemancipação dos oprimidos implica a autotransformação da classe revolucionária por sua experiência prática; esta, por sua vez, produz não só a consciência – tema clássico do marxismo – como também a vontade (impor sua vontade contra as classes dominantes – vontade só conquistada na luta cotidiana contra a ordem estabelecida) (Löwy, 2015, p. 2).

Se por um lado, para Lenin, a “centelha” revolucionária é trazida pela vanguarda política, para Rosa Luxemburgo, a consciência da vontade revolucionária acende no combate, na ação das massas. Os movimentos revolucionários, na Rússia, em 1905, confirmam essa perspectiva (Löwy, 2015).

Em Greve de Massas, Partidos e Sindicatos, Rosa Luxemburgo (2011b) apresenta uma concepção de revolução que coincide com a de Marx, em A ideologia alemã (2007), obra que ela não conheceu, pois foi publicada após a sua morte. É nesse texto que ela também enfatiza a noção de que é na prática que se generaliza a consciência revolucionária.

A categoria da práxis – que, para ela e para Marx, é a unidade dialética entre o objetivo e o subjetivo, a mediação pela qual a classe em si torna-se para si – permite superar o dilema paralisante e metafísico da social-democracia alemã, entre o moralismo abstrato de Bernstein e o economicismo mecânico de Kautsky[…] Isso permite entender melhor por que Rosa Luxemburgo se opunha não só aos revisionistas neokantianos, mas também, a partir de 1905, à estratégia de “atentismo” passivo defendida pelo assim chamado “centro ortodoxo” do partido” (Löwy, 2015, p. 3).

Lenin faz uma distinção entre “consciência sindical” e “consciência social democrata”, enquanto, para Rosa Luxemburgo, há uma distinção entre “consciência teórica latente” e “consciência prática ativa”. A segunda surgiria apenas em momentos revolucionários em que se tornam sujeitos da revolução as massas de trabalhadores.

Rosa Luxemburgo acreditava firmemente a classe trabalhadora aprende com as suas mais diversas experiências, que podem ser incorporadas em uma pluralidade de atividades participativas, como conselhos populares, sindicatos, vários tipos de associações, protestos e resistência. Para ela, não existe uma forma única de organização, porque a luta de classes, no seu desenvolvimento, implica uma modificação perpétua de formas de organização.

Nessa perspectiva, é oportuno destacar que a importância da democracia e participação popular pode também ser encontradas em seu livro, Reforma, revisionismo e oportunismo (1975). Neste texto Rosa Luxemburgo ataca o revisionismo de Eduard Bernstein, um dos principais teóricos do Partido Social Democrata alemão e da Segunda Internacional, que após a morte de Engels passou a defender uma revisão completa dos conceitos fundamentais do marxismo. Em sua crítica, Luxemburgo defende a participação da classe trabalhadora em todos os setores da política, contrapondo-se àqueles que defendiam que não seria possível a emancipação da classe operária no âmbito das instituições burguesas.

Considera-se, após essas reflexões, a perspectiva de uma educação política como uma prática para a democracia no espaço escolar. Não pretendemos, com essa afirmação, compreender as ocupações estudantis como promotores do socialismo, mas antes, como um movimento que manifestou a potencialidade de implementar um tipo de formação política na prática cotidiana. Em outros termos, destacar a potencialidade da experiência coletiva e instrumento de aprendizado político-democrático na prática de participação.

 “Ocupar e Resistir”: contra a política de reorganização das escolas públicas no Estado de São Paulo

O movimento de ocupação das escolas públicas foi uma expressão de conscientização por meio da práxis política, lançando luz novamente ao debate sobre a importância do espaço público, da manutenção da democracia e da autogestão, precisamente, no campo que nos é específico: a educação e a gestão escolar.

O livro Escolas de Luta (2016), de Antônia Malta Campos, Jonas Medeiros e Márcio Moretto Ribeiro retrata de forma vívida, pela visão dos estudantes secundaristas de São Paulo, como foi o movimento de ocupação das escolas estaduais entre o final de 2015 e início de 2016 contra a política de “reorganização” proposta por Geraldo Alckmin (PSDB). O livro foi uma das principais fontes de pesquisa para a discussão que se seguirá, pois possibilitou acesso a materiais de mobilização utilizados durante as ocupações, dado que ainda não havia produção bibliográfica sobre o tema[6]. O livro conta com entrevistas de secundaristas participantes das ocupações, do coletivo O Mal-Educado e depoimentos recolhidos de páginas organizadas pelos secundaristas nas redes sociais.

O movimento que originalmente reivindicava um transporte público de qualidade e sem aumento de tarifa – protagonizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que posteriormente, desdobrou-se em protestos contra a Copa no Brasil, a corrupção e por melhoria nos serviços públicos, influenciou a reivindicação de revogação do projeto de reorganização escolar imposto pelo governo Estadual, sem diálogo com os estudantes e demais envolvidos no processo. Essa política previa entre outras medidas o fechamento de 94 Escolas Estaduais em São Paulo.

Os estudantes secundaristas deram um passo adiante dos denominados movimentos de junho (MPL e Não vai ter Copa!)[7], pois conseguiram reunir em seu movimento, o que era necessário para derrubada da medida do governo: o caráter social de sua luta e o caráter radicalmente democrático de sua organização. Entretanto, principalmente, o MPL, por meio de sua cultura organizativa, liga-se diretamente ao coletivo “O Mal-Educado”, que teve papel fundamental na ocupação (Ortellado, 2016).

Essas novas relações são o que a tradição autonomista denomina de política pré-figurativa. Trata-se da capacidade de forjar, no próprio processo da luta, as formas sociais a que se aspira, convergindo meios e fins. A estratégia foi inovadora e contou com amplo espectro de táticas: abaixo-assinados, protestos nas escolas, protestos nos bairros, passeatas no centro da cidade, ocupações de escolas e realizações de aulas públicas. Ele atribui dois outros aspectos ao sucesso do movimento dos secundaristas: sua capilaridade em todo território estadual e a difusão de notícias por meios informais: vizinhança e familiares e redes sociais, principalmente o Facebook (Ortellado, 2016).

A seguir será retratada a política proposta pelo governo Geraldo Alckmin, em 2015, que motivou a mobilização dos secundaristas e as especificidades que acarretaram na derrubada da política de reorganização escolar e na queda do secretário de educação Hermann Voorwald.

“O cara fecha escola e abre cela, não tô nem entendendo, tio![8]”: a proposta de reorganização escolar do governo Geraldo Alckmin (2014-2018)

No dia 23 de setembro de 2015, o governo do estado de São Paulo anuncia a transferência de 1 milhão de alunos da rede pública estadual paulista com a finalidade de realizar uma “reorganização” das Escolas Estaduais (E.E). A intenção proferida, pelo então secretário de educação, Hermman Voorwald, era de que as escolas atendessem, em cada unidade, apenas um ciclo – Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II ou Ensino Médio. Sabemos, por meio das experiências de gestões anteriores em São Paulo e em outros estados, que se trata aqui de uma tentativa de focar apenas na oferta e gestão estadual no Ensino Médio, que é atribuição exclusiva dos governos estaduais, além de um indicativo de privatização, pois foram realizadas algumas tentativas de transferência da gestão para Organizações Sociais (OS) no caso das escolas de Goiás[9].

Entretanto, os argumentos oficiais apresentavam como justificativas dados e estudos que visaram informar a população de que essa reorganização seria realizada com o objetivo de melhorar a qualidade da educação. Tais argumentos tomaram como base a coleta de dados da SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) que apontou a existência de salas ociosas, resultante da diminuição em quase 2 milhões de alunos da rede estadual e um estudo conduzido pela CIMA (Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional) órgão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Esse estudo demonstrou que pela ótica da aprendizagem, as escolas de ciclo único favoreciam o desenvolvimento dos estudantes (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

Além das problemáticas que já apresentamos quanto à reorganização, o que foi marcante e determinante para a onda de protestos e ocupações, que culminou em sua derrubada, foi a falta de diálogo do governo com estudantes, mães e pais, professoras e professores e demais profissionais da educação escolar e a fragilidade das argumentações apresentadas, uma vez que o estudo realizado pela CIMA foi contestado por diversos pesquisadores do campo da educação e a questão das salas ociosas não parecia motivo suficiente para o deslocamento dessa quantidade enorme de estudantes. Soma-se a isso a questão da precariedade das escolas estaduais, pois é comum no relato dos estudantes secundaristas a seguinte percepção: se não há investimento no que já existe, não há sentido em reorganizar e fechar escolas.

Houve uma tentativa pífia do governo de São Paulo em marcar um dia para o esclarecimento da comunidade escolar sobre a reorganização, o dia E (dia da Educação), 14 de novembro de 2015, que também não convenceu os estudantes e a comunidades escolar, pois não se tratava de um diálogo – o projeto permaneceria do jeito que fora apresentado.

Marco Antônio Teixeira e Vitor Paro[10],em entrevista ao documentário Anjos rebeldes (2015), afirmam que Mário Covas (Governador de São Paulo de 1995 a 2001) também colocou em prática essa política na década de 1990 com a municipalização do ensino em São Paulo. No entanto, o desgaste político foi menor, pois naquela época as redes sociais e celulares com câmera não existiam.

Com a municipalização do ensino no Estado de São Paulo, a oferta de Ensino Fundamental e Pré-escola passaram quase que exclusivamente para a responsabilidade dos municípios. Essa política veio na esteira da reforma do Estado proposta por Bresser-Pereira e executada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que passou a conceber a educação como um serviço que não é de exclusiva oferta do Estado. Os municípios, ao receberem esse encargo, depararam-se com enormes dificuldades de organização e gestão devido ao despreparo de muitos gestores e diretores. Isso impulsionou muitos municípios a recorrerem às parcerias público-privadas com empresas e Organizações não governamentais (ONGs) para a realização de diversos serviços, atuando inclusive na formação dos profissionais em serviço (Stabelini, 2013).

Outro fator que gerou desconfiança entre os secundaristas foi o deslocamento dessa enorme quantidade de estudantes. A suspeita era de que a precarização do ensino estadual seria ainda maior, com mais sala superlotadas, que é uma realidade nas escolas do estado de São Paulo.

 “O Estado veio quente, nóis já tá fervendo”[11]: Os protestos e as ocupações Promovidas pelos Secundaristas

A forma como a notícia sobre a reorganização escolar chegou aos estudantes secundaristas também foi motivo de muita indignação. De acordo com Campos, Ribeiro e Medeiros (2016), muitos estudantes foram informados pela mídia ou simplesmente por não constarem na lista de matrícula daquela escola para o ano seguinte. Os estudantes secundaristas, que compartilhavam o sentimento de revolta e insegurança, passaram a criar grupos de comunicação no Facebook para dialogarem sobre possíveis providências.

Muitas falas transcritas no livro “Escolas de Luta” são oriundas tanto de relatos de estudantes secundaristas quanto das páginas criadas por eles no Facebook, como de entrevistas realizadas pelos autores do livro. Essas entrevistas e relatos demonstram um vínculo afetivo dos estudantes secundaristas com as escolas, igualando-a, muitas vezes, à sua casa e às pessoas que ali convivem a família.

Com base nessa comunicação entre os estudantes, foram organizados entre o final de setembro e início de novembro aproximadamente 163 manifestações contra a reorganização escolar, inclusive em escolas do interior do estado, contando, em algumas delas com a participação de pais e professores. Naquele momento da luta dos secundaristas também houve multiplicidade nas formas de manifestação: atos em frente às unidades escolares, paralisação de aulas, passeatas, trancamento de ruas, avenidas e rodovias e atos-debate (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

Os secundaristas reivindicavam o poder de decisão em relação à política que afetaria diretamente suas vidas. Eles compareceram inclusive à Câmara dos vereadores em muitos casos para buscar apoio, mas tais ações não pareciam estar surtindo efeito no governo, que continuava a negar uma negociação em torno da política de reorganização.

Foi nesse momento que o coletivo O Mal-Educado teve um papel importante na luta dos secundaristas. Ao notarem que suas táticas de pressão para recuo do governo estadual não estavam funcionando e a partir do contato com o material “Como Ocupar um Colégio?” [12], que foi elaborado pelos estudantes chilenos na época da “A Rebelião dos Pinguins” (La rebelión pingüina, 2007), e traduzido pelo coletivo “O Mal-Educado”, os secundaristas da E.E Diadema e da E.E Fernão Dias decidiram pela ocupação de suas escolas como tática de luta.

Os estudantes secundaristas explicam que não foi uma ação coordenada, mas foi quase simultânea à ocupação dessas duas E.Es, dado que a consideração dos estudantes de que tática de manifestações era insuficiente. Foi por meio de outra mídia social, o WhatsApp, que os estudantes secundaristas começaram a pensar sobre como efetivar a tática de ocupação, por grupos de comunicação entre eles, que foram criados no período de mobilizações.

O manual citado pela secundarista foi traduzido pelo coletivo O Mal-Educado com base em documentos elaborados pela seção argentina da “Frente de Estudantes Libertários” sobre sua experiência de luta que teve como inspiração os secundaristas chilenos.

Outro fator que colaborou com esse contexto de mobilização autônoma dos estudantes foi a crise com suas próprias entidades representativas, como demonstrou a versão impressa da cartilha ao problematizar que as entidades como UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo), UPES (União Paulista dos Estudantes Secundaristas), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e UNE (União Nacional dos Estudantes) que há muito tempo, segundo os próprios estudantes, não atendem às necessidades urgentes dos estudantes ou apenas ficam um passo atrás nas propostas de reivindicação (O MAL EDUCADO, 2015).

Houve ainda a experiência da E.E Professor Luiz Carlos Sampaio, localizada no município de Nova Andradina, no estado do Mato Grosso do Sul, em que os estudantes secundaristas ocuparam e escola contra a iniciativa de municipalização e conquistaram a vitória. A seguir abordamos com mais detalhes a história e organização do coletivo “O Mal-Educado”, que desempenhou importante papel na luta dos secundaristas.

O Mal-Educado

De acordo com Campos, Medeiros e Ribeiro (2016), o coletivo O Mal-Educado formou-se após duas experiências de organização entre os secundaristas: a atuação dos estudantes da E.E  José Vieira de Moraes em 2009, que apesar de resultar na “queda” da diretora da escola, gerou descontentamento por parte dos secundaristas com a impossibilidade de participação da comunidade escolar na escolha da nova direção. A segunda experiência foi uma articulação entre os grêmios de escolas estaduais, escolas técnicas (ETECS), SESI e colégios particulares de São Paulo, denominado de Poligremia[13]. O movimento de Poligremia, que atingiu seu auge de grêmios envolvidos em 2011 também tinha ligação com o MPL.

Em 2012, após o convite a um estudante da E.E José Vieira para se juntar a remanescentes da Poligremia e a outros estudantes que participaram da experiência autogestionária do grêmio da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETESP), o coletivo teve início e sua primeira ação foi a criação de um jornal que leva o nome do coletivo: “O Mal-Educado”. De acordo com seus membros,

[…] a proposta de “O Mal-Educado” é não deixar essas histórias se perderem. Queremos registrar e divulgar algumas experiências de luta e organização vividas por alunos de diferentes escolas. Acreditamos que essa troca pode inspirar mais estudantes, que poderão aprender com os erros e acertos dos outros e pensar em formas de agir para enfrentar seus problemas (O MAL EDUCADO, 2015).

Essa ação desempenhou importante papel no movimento dos secundaristas, ao abrir um canal de comunicação, troca de experiências e registro de memória. Outro fato interessante é que até o final de 2013 a atuação do coletivo se deu junto às ações do MPL e a partir de outubro daquele ano suas ações se voltaram novamente a pauta da educação, justamente com a tradução do manual “Como Ocupar um Colégio”, a atuação junto a E.E Antônio Alves de Lima e a organização de grêmios autônomos na Zona Sul de São Paulo.

Consideramos importante destacar aqui que essa discussão também está presente no livro sobre as ocupações, bem como em nossos estudos sobre a gestão escolar, que há falta de efetividade dos mecanismos institucionais democráticos de participação nas decisões das escolas. No livro são destacadas as falas dos estudantes secundaristas contra o mau funcionamento do conselho escolar, que deveria ser um órgão que possibilitasse a participação de todos os agentes escolares nas decisões da escola.

Além disso, a iniciativa dos estudantes de se auto organizarem para reivindicar diálogo do governo com suas pautas, criando mecanismos de comunicação não ficou sem retaliação. Várias páginas do Facebook, inclusive a do coletivo “O Mal-Educado” foram “derrubadas” e tiveram seus relatos e postagens apagadas. Foi possível recuperar alguns materiais que já estavam difundidos, mas outros tantos se perderam (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

Hoje vocês não entram. Chegaram atrasados. O sinal já bateu!”[14]: as ocupações ganham força

Como destacado anteriormente a estratégia de ocupar as escolas surgiu com base na conclusão sobre a ineficiência das outras estratégias adotadas. A primeira escola ocupada em São Paulo – E.E. Diadema, foi seguida da ocupação da E.E Fernão Dias pelos secundaristas na manhã do dia seguinte.

É interessante notar como se deu o processo de organização para a ocupação no caso da E.E. Diadema. Uma das secundaristas dessa escola relatou que no dia anterior à ocupação, alguns nomes foram recolhidos por ela a partir de conversas informais e escolhas mais ou menos aleatórias. Ela conversou com outros estudantes, que estariam interessados em participar da ocupação. A estudante relata também que o manual “Como Ocupar um Colégio?” serviu como base, mas foram necessárias algumas iniciativas para dar conta da realidade de seus colégios, promovendo assim algumas adaptações (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

Os estudantes secundaristas se organizaram em comissões para cuidar de diversos setores: comida, limpeza, segurança, imprensa, informação e relações externas, como indicava o manual divulgado pelo “O Mal-Educado”, mas também criavam outras comissões de acordo com suas necessidades como, por exemplo, as comissões de organização e recreação para atender a própria demanda da ocupação de suas escolas.

Baseados em suas experiências de ocupações, houve uma rápida onda que se espalhou por todo o estado de São Paulo – interior e litoral tiveram escolas ocupadas pelos secundaristas – o movimento passa assim a não se concentrar apenas na Grande São Paulo, tomando grande dimensão. Em 22 de novembro de 2015 já estavam ocupadas 89 E.Es. A segunda grande onda de ocupações ocorreu durante a aplicação da prova do SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). Foi resultado também da tática de boicote à avaliação e a maior conscientização dos estudantes sobre a educação que estavam recebendo. “Se cuida, Geraldinho, que sua prova do SARESP não vai virar, não!” (MC Foice e Martelo – Medley das ocupações).

Para essa tática de boicote, “O Mal-Educado” lançou outro manual: “Como Boicotar o SARESP.” As táticas propostas envolviam piquetes, confisco de prova, realização de assembleias no mesmo horário da aplicação da prova e em caso de insucesso dessas tentativas, a rasura e foto dos gabaritos, o que originou as fotos que foram amplamente divulgadas nas mídias sociais com os dizeres, por exemplo, “Alckmin Fascista”.

Houve tentativas de coerção por parte da direção e professores da escola, visando a realização da avaliação e tais casos foram denunciados na página do facebook do coletivo “O Mal-Educado”.

Os secundaristas enfrentaram vários tipos de dificuldades durante o processo de ocupação das escolas: a negociação com a comunidade escolar, com os caseiros que trabalham e moram em casas dentro de algumas E.Es , com os dirigentes e professores e com a repressão direta do governo estadual. Essa repressão se deu de forma mais explícita pelo uso da força policial (que representa também uma pressão psicológica e, muitas vezes, foi convocada por diretores) e por formas mais veladas como ameaças e difamação do movimento dos secundaristas, as quais os estudantes resistiram bravamente: “190 a diretora até discou/Na escola quem manda é nois/Quero ver os homi pegá/Lugar que nois dá risada/ E bota a escola pra ocupar (MC Foice e Martelo, 2015)[15].

Um movimento de ocupação de espaços públicos, como é o caso das E.Es, é uma ação que, em geral, cria um clima de pressão intensa em governantes e dirigentes. Isso ocorre porque é uma ação que concentra ataques a estruturas caras à manutenção do poder estatal: o funcionamento regular da instituição é paralisado, o acesso livre ao aparato burocrático é possibilitado, inclusive com episódios de descoberta de materiais escolares e de lazer que estavam escondidos dos alunos.

Dessa forma, os secundaristas se apropriaram dos meios necessários para literalmente dar uma aula prática sobre um tipo de escola que atenderia às suas necessidades, incluindo a forma de gestão por meio de assembleias, indicando uma perspectiva horizontal de poder na instância decisória. Além da organização promovida pelas comissões, os alunos também contaram com doações diversas de apoiadores, que foram desde alimentos a aula, oficinas e atividades, ofertadas, principalmente, por coletivos culturais, teatrais, professores e estudantes universitários, e, com isso, puderam debater temas que eram de seus interesses.

Durante as ocupações os secundaristas se submeteram a um processo de formação política contínua. Há relatos desses estudantes sobre o aprendizado no dia a dia das ocupações, uns com os outros, e como esse processo contribuiu para a aceitação de opiniões e diferenças.

Outro destaque foi o visível protagonismo feminino no movimento, retratado pelas declarações e imagens das secundaristas na linha de frente, majoritariamente porta-vozes e organizadoras do movimento. Não aceitando papéis que por ventura poderiam ser impostos.

No documentário “Acabou a paz, isso aqui vai virar o Chile” (2016), de Carlos Pronzato, mesmo diretor do documentário sobre as ocupações dos secundaristas no Chile, “A revolta dos pinguins” (2007), Pablo Ortellado destaca três derrotas sofridas por Geraldo Alckmin no decorrer de seu governo, que foram resultado de manifestações e ocupações. A primeira foi a manifestação dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP), com ocupação da reitoria, contra a política de Alckmin que visava à retirada de parte da autonomia da universidade. A segunda decorreu em razão das manifestações do MPL contra o aumento da tarifa do transporte público. E a terceira foi, precisamente, a ocupação dos secundaristas contra a sua proposta de reorganização.

Uma quarta derrota ainda estaria por vir: o seu péssimo desempenho na campanha presidencial em 2018, que conferiu a ele o pior desempenho de um candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) nos últimos anos, contando apenas com 4,76% dos votos e ficando com a 4ª colocação. Outros elementos da conjuntura política colaboraram para esse resultado, entretanto consideramos que movimento dos secundaristas colaborou para o desgaste de sua imagem perante o eleitorado.

Apesar disso, João Dória (PSDB) foi eleito para governador do estado (2018), mantendo a hegemonia política do partido no estado de São Paulo[16]. No entanto, sua campanha não passou nem perto da tranquilidade de sua eleição em primeiro turno para a prefeitura de São Paulo em 2014. Ao contrário, seu rival Márcio França do Partido Socialista Brasileiro (PSB) perdeu com uma margem mínima de diferença. Sabe-se também que houve disputas internas entre os políticos Alckmin e Dória durante a campanha eleitoral de 2018 e que o segundo representa um pensamento que, muitas vezes, é estranho até mesmo a seus companheiros de partido.

Hodiernamente, temos conhecimento de alguns desdobramentos dos acontecimentos narrados: o PSDB pela primeira vez desde a redemocratização do Brasil não lançou candidato à presidência em 2022. Geraldo Alckmin deixou o partido e passou a compor como vice-presidente pelo PSB (partido Socialista Brasileiro) na chapa de Lula (PT). João Dória ganhou as prévias do PSDB para candidato à presidência, mas foi abandonado pelo próprio partido, que decidiu apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB). A chapa Lula-Alckimin foi eleita e contou com apoio de Tebet no segundo turno.

Retomando a questão da apropriação do espaço da escola pelos estudantes secundaristas, pode-se afirmar que se tratou de movimento de ocupação do espaço público e que tal ação propiciou conscientização dos alunos sobre o descaso com sua formação, além de possibilitar reflexão sobre a estrutura de poder do Estado e, em particular, do mal funcionamento da Secretaria de Educação.

Ao descobrir materiais, alimentos e espaços que lhes eram negados, os estudantes se depararam com a crueldade e incompetência de gestores e dirigentes que deveriam zelar pela qualidade dos serviços oferecidos à população. O apelo é ainda maior por se tratar da educação e da alimentação de crianças e jovens em formação. Posteriormente ao movimento de ocupação, houve também denúncias dos estudantes quanto à péssima qualidade da merenda. Além disso, foram realizadas denúncias sobre a formação de uma máfia para desvio de verba da merenda escolar das escolas estaduais. A pressão realizada pelos estudantes pelas mídias sociais por meio da (hashtag) #QuemVaiPrenderOLadrãodeMerenda, resultou na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso.

Sobre a questão de apoio de partidos políticos à ocupação, os secundaristas demonstraram autonomia novamente e não adotaram uma postura anti-partidária, tão pouco pró partidos políticos. Reivindicaram apenas o protagonismo e a autonomia na tomada de decisões e souberam se posicionar quando esses aspectos prioritários estavam sendo ameaçados, avaliando caso a caso de participantes das ocupações filiados a partidos políticos. As participações mais frequentes foram dos partidos PSOL (Partido Socialismo e Liberdade); PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado); PCB (Partido Comunista Brasileiro) (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

O movimento de ocupação em seu auge contou com aproximadamente 200 escolas ocupadas em todo o estado de São Paulo. Para a articulação e organização das ocupações, os secundaristas sentiram a necessidade de criar um comando das escolas ocupadas, que foi composto por membros de várias escolas e teve como propósito ser um espaço de articulação independente, horizontal e apartidário, aberto a todas as ocupações.

A criação do comando das escolas ocupadas também foi motivada pela necessidade de unificação para que o movimento pudesse se apresentar publicamente. Ocorreu então a convocação de uma audiência de conciliação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no dia 19/11. A iniciativa também colaborou para reafirmar a falta de disposição do governo em dialogar com os estudantes, pois a proposta apresentada à mesa de negociação era de suspensão por 10 dias para que os envolvidos fossem esclarecidos sobre as mudanças.

Tá só começando, viu, Geraldinho, se liga! Os trabalhador já tá apoiando nossa luta, daqui a pouco é eles que começa a ocupar as fábricas e as empresas, aí cê num guenta, hein? E na humilde, Geraldo, cê achou que aquele papinho teu de atrasar em 10 dias ia desmobilizar os estudantes? Tem mais de 70 escola ocupada, tiozão, se liga! Nóis já tá boladão e só vai ocupar mais e mais escolas, então, meça suas manobras, parça! (MC Foice e Martelo, 2015).

A irreverência dos estudantes MCs traduz o que foi visto nas mídias sociais durante a ocupação dos secundaristas e demonstra a grande capacidade dos estudantes de manter e suportar a pressão psicológica, conquistar a simpatia da população, assim como de repensar e propor novas ações.

A não aceitação da proposta de suspensão da reorganização deu início a uma nova pressão do governo pela desocupação das escolas. Foram muito relatos de assédio sofrido pelos secundaristas e praticado pela direção das escolas – que incluíam ameaças e agressões.

Outra iniciativa do governo do estado de São Paulo neste sentido foi relativa aos pedidos de reintegração de posse. Alguns pedidos chegaram a ser concedidos, mas foram, em seguida, derrubados, porque vários desembargadores compreendiam as ocupações como forma de manifestação (Valle, Silveira, et al., 2017).

O episódio do vazamento do áudio, feito por uma jornalista infiltrada, da reunião de mais de 40 dirigentes regionais no gabinete de Secretário de Educação com o chefe de gabinete da SEE Fernando Padula, no dia 29 de novembro, escancarou ainda mais a estratégia de difamação do movimento secundarista que seria intensificada pelo governo e dirigentes com auxílio da Polícia Militar (PM).

Outra estratégia do governo, que entrou em ação nesse momento, foi a atuação de membros da juventude do PSDB como agentes difamatórios e desarticuladores. A pressão psicológica era intensa. PM e dirigentes de ensino atacaram o movimento com falsas acusações de depredação e mentiras sobre a retomada do calendário escolar. O intuito era desgastar o movimento, utilizando, para isso, a comunidade escolar e pais como massa de manobra contra os estudantes.

Apesar da força empregada pelo governo contra os secundaristas não resultar em um recuo do movimento, os estudantes sentiram a necessidade de empregar novas táticas de enfrentamento. Com base na experiência da E.E Fernão Dias no bloqueio da marginal Tietê, que ganhou ampla repercussão na mídia, o coletivo O Mal-Educado produziu um novo manual: “Hoje a aula é na rua: o primeiro ensinamento é como travar uma avenida” (O MAL EDUCADO, 2015).

Naquele momento, escolas estaduais em todo território de São Paulo promoveram atos, muitas vezes simultâneos, de trancamento de ruas e avenidas ou protestos na vizinhança das escolas. Com essa mudança tática, o movimento dos secundaristas ganhou ainda mais visibilidade, por consequência, as declarações de apoio se ampliaram: artistas, figuras públicas, instituições de ensino e universidades promoveram ainda mais atos e declarações de apoio ao movimento. Um exemplo foi a virada das ocupações em que diversos artistas realizaram shows nas escolas ocupadas, além da promoção de várias atividades culturais.

Em sequência, foi publicada a pesquisa do Instituto Datafolha[17] que indicou a queda de popularidade do governo de Geraldo Alckmin. Como decorrência, um cerco institucional se formou: a promoção de uma ação civil do Ministério Público e da Defensoria do Estado de São Paulo contra a reorganização. No município de Guarulhos (Grande São Paulo), também ocorreu outro processo em que a sanção do governo seria em 200 milhões de reais, caso prosseguisse a reorganização (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

Por fim, o Governador Geraldo Alckmin decidiu recuar e revogar o decreto que regulamentava a reorganização do ensino no Estado de São Paulo por tempo indeterminado. Como consequência, o então secretário de Educação, Hermman Voorwald, entregou seu pedido de demissão. A decisão anunciada pelo governador na manhã de 04 de dezembro de 2015 em pronunciamento público, decorreu do pedido que foi feito pelos secundaristas que afirmaram que não negociariam a portas fechadas.

Considerações sobre Rosa Luxemburgo e a luta dos secundaristas

No decorrer deste trabalho foram destacados três conceitos presentes na obra de Rosa Luxemburgo, quais sejam: a autogestão, a democracia e a ação política. Tais conceitos que estão entrelaçados em sua obra de forma muito pertinente e nos permitiram a compreensão do sucesso da tática empreendida, mesmo que pontualmente, pelos estudantes secundaristas em 2015.

Podemos ponderar o fato de Rosa Luxemburgo, em seu tempo, se dirigir a um público específico: a classe proletária, ou seja, os trabalhadores das fábricas europeias entre o final do século XIX e início do século XX, em uma fase distinta do sistema capitalista da que vivemos hoje. Entretanto, consideramos que a complexidade das manifestações sociais acompanhou os desdobramentos do sistema capitalista e seus mecanismos de controle social. É válido lembrar também que o movimento secundarista de 2015 contou com duas grandes influências: as jornadas de junho de 2013 e o movimento secundarista chileno de 2011. Assim como Rosa Luxemburgo, consideramos as lutas sociais como momentos de aprendizagem por parte de trabalhadores e estudantes.

Camila Jourdan[18] em “2013 memórias e resistências” (2018), relata que em junho 2013 o Brasil passou por um momento de levante popular, uma insurreição, assim como aconteceram em diversos países em anos anteriores. Jourdan (2018) utiliza como exemplo os levantes de Wall Street, Grécia e Seattle e destaca o que essas insurreições e junho de 2013 têm em comum: a horizontalidade de sua organização, a recusa à via institucional e ao reformismo da esquerda partidária.

É possível notar também uma disputa discursiva entre grupos distintos em torno das jornadas de junho de 2013. Jourdan (2018) identifica algumas linhas de narrativas: a primeira seria promovida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que tratou as manifestações como um movimento manipulado pela direita e que foi utilizado para preparar o golpe contra o PT em 2016; a segunda teria sido promovida pela ultradireita que associou as manifestações a ações de vandalismo ou até mesmo terrorismo, que seriam incentivadas e até mesmo pagas pelo próprio PT; e a via discursiva, que teria tratado os acontecimentos de forma positiva inicialmente, consideraria que a crítica ao governo do PT poderia resultar em visibilidade e proporcionar o crescimento de partidos de esquerda menores. Entretanto teria ocorrido uma frustração deste grupo resultante da dificuldade desses partidos em liderar as manifestações. Pequenos grupos fascistas e intervencionistas também foram críticos às jornadas de junho e convocaram uma intervenção militar justamente para barrar as manifestações. Jourdan (2018) defende o afastamento dessas leituras e uma proximidade com a leitura insurrecionaria de 2013. E é esta leitura que abordamos neste trabalho porque é a que destaca o aprendizado político propiciado por junho de 2013.

Neste sentido, retomamos a noção de que a escola não se restringe apenas aos seus aspectos institucionais. A gestão democrática da escola pública, garantida pela constituição federal de 1988, e os conselhos escolares, fazem parte do projeto de redemocratização do Brasil, resultado das lutas sociais da década de 1980. Entretanto, ainda podemos notar a existência práticas autoritárias no interior das escolas brasileiras e que são inspiradas pelas práticas arraigadas em nossa sociedade, como ficou evidenciado nos relatos dos estudantes que participaram das ocupações em 2015.

Maurício Tragtenberg (1985) destacou que a escola, em uma escala menor, reproduz as relações de poder que existem em nossa sociedade e estabelece um diálogo com a obra de Michel Foucault a respeito do poder disciplinar nas escolas, retomando a noção de que a escola é, a partir do século XIX, responsável pela disciplina dos corpos por meio de exercícios de utilização do tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes. É, dessa forma, que o poder disciplinar produz o saber.

Tragtenberg (1985) enxergava nos processos de democratização das escolas a possibilidade de emancipação, pois é a democratização da escola que torna a democratização da sociedade possível. Por esse motivo, Rosa Luxemburgo é fundamental para pensarmos tais processos no interior das instituições escolares, pois sua teoria nos ajuda a compreender a importância da luta pela democracia como forma de emancipação. E é neste sentido também que a escola se tornaria um espaço público, a partir da possibilidade de sua autogestão.

Os conselhos escolares, tal como destacado anteriormente, nascem como iniciativa de democratização das escolas, entretanto, dado o contexto escolar e social, muitas vezes, este órgão não alcança seu objetivo. Isso porque a escola permanece tomada por práticas autoritárias. Ademais, as relações políticas ao nível local tensionam ainda mais o ambiente escolar, pois muitas vezes as decisões tomadas pela direção ou pelo conselho pouco favorecem estudantes, professores e comunidades escolar, por visarem agradar prefeitos ou vereadores.

Os conselhos autogestionários, tal como concebidos por Rosa Luxemburgo, constituiriam espaços de realização de autonomia e liberdade, visariam a formação de uma consciência pública, de uma práxis política, possibilitando uma perspectiva educativa fundada na ação política, nos possibilitou a compreensão de que essa formulação foi plenamente verificada durante as ocupações dos secundaristas. Os secundaristas, ao tomarem escolas e avenidas, ao se apropriarem desses espaços e participar, mesmo que por curtos momentos da gestão, efetivaram um modelo de organização horizontal em resposta a uma medida autoritária. De acordo com Catini e Mello (2016) a força ensejada pela luta dos secundaristas demonstrou a resistência ao caráter conservador e empresarial das políticas sociais atuais.

As recentes aprovações da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) (Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 de dezembro de 2017) e da Reforma do Ensino Médio (lei nº 13.415/2017), evidenciaram as estratégias de aprofundamento das reformas neoliberais na educação (FREITAS, 2014). A implementação dessas reformas, na esteira da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, durante o governo de Michael Temer, que limitou os gastos públicos durante um período de 20 anos, intensificou a crise democrática no Brasil.

A disputa travada pelos empresários e conservadores é parte de um processo de ampliação da privatização do setor público. Estratégia que traz em si a noção de que a superação das crises do capitalismo reside na possibilidade de redefinição do papel do Estado, o que gera implicações nas etapas e modalidades da educação básica por meio de intervenções no conteúdo das políticas educacionais (Peroni, Caetano e Arelaro, 2019).

O estado de São Paulo foi o primeiro do país a iniciar a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) e é frequentemente considerado como modelo para os demais estados do País. Entretanto, os efeitos desta reforma no estado de São Paulo são contrários aos propagandeados pelo governo, indicando limitada “liberdade de escolha” dos estudantes quanto aos itinerários formativos, falta de professores e redução da carga horária no Ensino Médio noturno, reforçando, desta forma, as desigualdades sociais (Rede Escola Pública e Universidade – REPU, 2022).

De acordo com Rosa Luxemburgo são em momentos de embate com o poder vigente que ocorre o entrelaçamento entre teoria e prática. E foi, precisamente, na luta pela derrubada de medidas autoritárias que se forjaram as bases para uma atuação que favorecesse os estudantes. Entretanto, não se trata de uma luta pontual, que estaria deslocada das demais lutas travadas desde a década de 1980, do mesmo modo que não acreditamos que tenha encontrado seu ponto final. Neste sentido, aprendizado proporcionado por esses momentos poderá favorecer os desdobramentos dos embates dos movimentos sociais, como memória de luta e resistência contra a precarização e privatização da educação brasileira.

 

REFERÊNCIAS

ACABOU a paz, isto aqui vai virar o chile! Direção: Carlos Pronzato. [S.l.]: Amestiza. 2016.

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***

[1]  O presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa que originou a tese intitulada “O mundo público e a autogestão em Rosa Luxemburgo: uma análise do movimento das ocupações das escolas do estado de São Paulo em 2015”. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos para obtenção do Título de Doutora em Educação, 2019.

[2]                      Brasileira; Doutora em Educação; Professora Doutora Eventual na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1196-0544

[3] Cândido, Antônio. A Estrutura da Escola. Rio De Janeiro: Separata de Educação e Ciências (Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais), 1953.

[4] Isabel Loureiro (2019) em Posfácio a biografia de Paul Frölich afirma que esta obra tem grande relevância por abordar em um de seus capítulos a questão da Polônia quanto ao objetivo do SDKPiL de manter a unidade dos trabalhadores de todas as nações que compunham o império Russo em relação à luta contra o tsarismo e a favor da criação de uma República, o que possibilitaria a liberdade a todas as nações oprimidas pela Rússia (Loureiro, 2019).

[5] Edward Bernstein foi um dos líderes do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e amigo íntimo de Engels que o nomeou seu executor testamentário. Desde 1896 Bernstein apresentava em diversas publicações teses consideradas revisionistas, porque refutavam publicamente as principais teses marxistas como o materialismo histórico, a dialética hegeliana e reduzia o papel da luta de classes. Apresentava uma concepção de socialismo que não seria mais o resultado de um processo revolucionário de tomada do poder pelas classes trabalhadoras, mas uma evolução gradual por meio de um processo legal e institucional. Bernstein considerava que a democracia burguesa tinha um potencial emancipador que poderia levar ao socialismo pela via pacífica. Em 1909, Bernstein apresentou ao partido um esboço de um novo programa que tinha como bases essas concepções. (Hobsbawm, 1982).

[6] Cabe salientar que no momento da realização da pesquisa o livro citado consistia na principal referência bibliográfica disponível sobre as ocupações. Atualmente, com os avanços nas pesquisas sobre as ocupações e temas relacionados, há ampla produção bibliográfica sobre o tema.

[7] O caráter autonomista das Jornadas de Junho foi perceptível não apenas pela presença de grupos anarquistas que utilizaram a tática black bloc mas por expor as demandas de uma juventude que luta por maior participação política e diálogo e, para isso, se organiza de forma horizontal e emprega novas formas de articulação (Valle, Silveira, et al., 2017). De origem alemã, a tática black bloc foi empregada pela primeira vez na década de 1980 e consiste em ações diretas, durante manifestações de rua, que visam garantir a autoproteção dos participantes e atingir bens de capital como, por exemplo, bancos e joalherias (Costa, 2010). Durante essas novas configurações de luta as redes sociais tiveram papel fundamental para mobilizar, instrumentalizar, articular, denunciar os abusos da PM e apresentar um contraponto ao discurso da mídia tradicional (Valle, Silveira, et al., 2017).

[8] MC Foice e martelo “Escolas de Luta”: https://www.youtube.com/watch?v=QvdrLD1RbTI. Música composta para agitação do movimento secundarista e divulgada pelo coletivo “O Mal-Educado”. Trata-se de uma versão politizada da música “Baile de Favela”, do MC João. Além desse “hit”, inspirado pelas ocupações, os MCs também lançaram outras músicas: “Medley das ocupações” e no depoimento concedido aos autores do livro “Escolas de Luta”, que leva o mesmo nome do “hit” lançado MC Foice e Martelo, declaram que são participantes das ocupações e moradores da Zona Sul de São Paulo, e que já haviam composto outros funks com conteúdo parecido em 2015 “Faixa de Frente”, “Tapa no Patrão” e “Greve dos Professores”. Com esses hits de funk, eles pretendem levar à “quebrada” conteúdos que por vezes não são acessíveis. Têm a compreensão de que os estudantes são trabalhadores, pois muitos já estão no mercado de trabalho e outros em breve estarão (MC Foice e Martelo, 2016 Ibidem: Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

[9] Em 2015 o governador do estado de Goiás, pelo 4º mandato, Marconi Perillo (PSDB) propôs uma reforma da gestão das escolas públicas do estado que transferiria parte da gestão das escolas às OS por meio de parceria público-privada –iniciativa de implementar uma gestão compartilhada. Em resposta a esta política os estudantes secundaristas do estado de Goiás também iniciaram manifestações e ocupações das escolas. De acordo com Souza e Flores (2017): “Cabe destacar que a política de gestão compartilhada, através de OS ainda não foi implantada no Brasil e que essa tentativa do governo de Goiás pode se expandir para outros Estados, haja vista, que há um Projeto de Lei em tramitação no Senado (PLS) n. 739/2015 que modifica a lei n. 11.494/2007, que facilita o repasse de recursos do FUNDEB às OS, instituições comunitárias e filantrópicas que atuem em qualquer das etapas e modalidades da educação básica” (Souza e Flores, 2017, p. 228).

[10] Vitor Paro é professor titular (Colaborador Sênior) da Faculdade de Educação da USP e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (GEPAE). Sua pesquisa abrange a área de Educação, com ênfase em políticas educacionais e Administração de Unidades Educativas.

[11] Idem: nota 7

[12] O MAL-EDUCADO. Como ocupar um colégio? O Mal-Educado, outubro 2015. Disponível em: <https://gremiolivre.wordpress.com/2015/10/>. Acesso em: 05 dez. 2018

[13] Uma reflexão interessante sobre essa experiência foi escrita por quatro secundaristas e publicada no site do coletivo passa palavra: “A experiência da Poligremia – autocrítica em busca de um sentido histórico no movimento secundarista” (Martins, Cordeiro, et al., 2012).

[14] Fala de uma estudante secundarista à diretora no portão da escola (Ibidem: Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016).

[15] Letra de música de funk escrita por dois secundaristas.

[16] Como tivemos uma mudança considerável na conjuntura política no Brasil, possibilitando a eleição de candidatos conservadores de direita, momento que coincidiu com defesa da tese, considero que é interessante destacar que o MPL sofreu dura repressão já no primeiro mês de governo Dória, em São Paulo, em seu segundo grande ato contra o aumento da tarifa do transporte público 17/01/2019.

[17] O Datafolha é um instituto de pesquisas do Grupo Folha, conjunto de empresas coligadas do qual o jornal Folha de São Paulo faz parte.

[18] Camila Jourdan é professora do departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2013 participou ativamente dos levantes populares que tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013. Foi “eleita” pela mídia e pelo Estado como uma das “organizadoras” dos protestos e sofreu perseguições que resultaram em sua condenação à prisão em julho de 2018 (Jourdan, 2018).